terça-feira, 8 de maio de 2007

Curvas, Concretos e Perfis Desgastados

por: Fábio Corrêa


Confesso que sempre tratei as obras de Niemeyer com uma certa reserva. Nunca entendi muito bem a funcionalidade de prédios construídos em espiral elíptica, das fachadas de concreto – que no fim, sempre ficavam manchadas pela chuva – ou dos capacetes de ponta-cabeça que mais me pareciam cumbucas de pilar alho gigantes. As pessoas falam idiotices, o tempo inteiro, às vezes apagam suas reputações ilustres em troca de um comentário mal-pensado, como diria o próprio arquiteto. Eu, que nunca fui ilustre, não titubeei em atravessar o sinuoso edifício de Tancredo Neves, rumando ao cinema em ângulos retos, pensando, que, talvez ali, pudesse responder a uma questão (evidentemente idiota) que nunca me era esclarecida: como os móveis poderiam ser dispostos naquele espaço sem declararem guerra aos mindinhos errantes de seus moradores? Um verdadeiro exercício de Feng-Shui quântico para as massas descalças.

Ou para algum diretor de cinema brilhante o bastante para ter a incrível idéia de responder a essas e outras perguntas. E, é claro, como um documentarista padrão de grande personalidades brasileiras – espécime não muito rara nesses tempos de valorização (especulativa) do cinema tupiniquim – Fabiano Maciel não foge à regra. Oscar Niemeyer – A vida é um sopro (2007) se limita a transformar Oscar Niemeyer num personagem folclórico, com seus comentários irônicos e sua visão pessimista – e divertidíssima – da vida, e sua trajetória de inegável sucesso nos quatro cantos do mundo: que ele mesmo se propôs a transformar em curvas. Mas por quê? como? e onde estavam os vendedores de réguas?, essas são respostas que não podem ser respondidas. Assim como em Cartola não ficamos sabendo o porque de seu nome ou do formato esquisito de seu nariz, em A vida é um sopro parece mais importante a presença mítica de um senhor de 99 anos, sentado de óculos escuros no museu de arte contemporânea de Niterói do que a conceituação de sua própria obra revolucionária. Ou seja: a vida é um sopro, mas esse ilustre senhor merece algo além da simples constatação de que ele soprou tempo demais.

Fabiano Maciel não se mostra um documentarista desprovido de conhecimentos da linguagem cinematográfica: pelo contrário, parece ter aprendido bastante com a cartilha de Vertov. Planos muito bem escolhidos – belas imagens de um Rio de Janeiro no crepúsculo parecem nos querer dizer que o Pão de Açucar também é obra do arquiteto -, interessantes imagens de arquivo, depoimentos de gente grande como Chico Buarque e Eric Hobsbawm (outro que também parece ter muito pulmão para soprar por tanto tempo)... Mas todos convergindo, em curvas niemeyerianas, é bom dizer, para a mesma exaltação vazia de um gênio que os leigos não compreendem. Tudo bem, a linha reta agride o espaço, o concreto possibilita sustentações arquitetônicas fluidas e suaves, mas, apenas para o bem da forma? Deve haver um ponto, algo mais, um motivo para toda a ideologia moderna do arquiteto. Os depoimentos do próprio Niemeyer, nesse sentido, não contribuem. Apenas impropérios – engraçadíssimos, diga-se de passagem – sobre perguntas simples como “qual a funcionalidade desse projeto”. Eu, em meus conhecimentos absolutamente leigos de arquitetura, não deixei de relembrar os móveis do Edifício Niemeyer, as fachadas de concreto sujo e agredido pela chuva no Edifício JK, a imagem degradada do Cojunto Iapi. Em minha ignorância urbanística e arquitetônica, continuo pensando em Niemeyer como o maior projetista de pistas de skate da humanidade. E olha que essa é uma visão que não pode ser refutada pelo documentário: a Place du Colonel Fabien, em Paris, um dos maiores trunfos do arquiteto, é mostrada como pista para manobras arrojadas numa certa sequência do filme. Radical.

Mesmo longe de pecar na forma, o diretor Fabiano Maciel peca no conteúdo. De fazer um documentário-perfil de quem já é mais que perfilado pelas construções da mídia, e de quem não é barbada, fico mais com o último – como o maravilhoso Do Outro Lado da Sua Casa (1985), dos documentaristas do Olhar Eletrônico. A ilusão de que o personagem já faz o jogo ganho é uma maldição tantas vezes repetida que já deveriam nascer cineastas vacinados contra tal pestilência. Um homem tão grande como Niemeyer merecia maiores acepções acerca de suas intenções, seu contexto histórico, seu impacto no desenvolvimento da arquitetura e, é claro, por que não, suas grandes cagadas. Nenhum quadro sobre o fracasso do projeto inicial do Edifício JK, nenhuma consideração real sobre os Iapi's, nada sobre as críticas tanto desferidas sobre o Copan. “Foi Deus que desenhou as montanhas do Rio quando pensou ser Niemeyer”. Mas com quais preceitos urbanísticos a não ser abrigar favelas? Tudo, no fim, soa como bajulação, uma reverência vazia e sem fim.

É uma pena que personagens cruciais para nossa história sejam descartados tão facilmente por exercícios de mera formalidade cinematográfica. Depois de Cartola e Niemeyer, só nos resta imaginar quem será o próximo. “Arte é invenção”, o sopro de um Niemeyer nos termos finais de sua experiência curva ainda ressoa forte nos ouvidos de quem o assiste. Menos nos de Fabiano Maciel, que parece tapá-los e ignorar toda a potencialidade que emante de Oscar Niemeyer, pronta para ser transposta para o cinema. E eu ainda continuarei a me perguntar o porquê de tantas curvas e de tanto concreto. Mas sem não deixar de pensar, ao contemplar, do alto de minha ignorância, o sinuoso Edifício Niemeyer, que aqueles parapeitos dariam uma bela pista de skate.

5 Comentários:

Blogger Igor disse...

Olavo Walter e suas críticas.
gostei do final do texto.
achei que pegou pesado com o diretor.
o que é crítica?
nesse texto dava pra falar bem do filme?
vc falou mal ou bem do filme?
qual a relação do filme com o artista/arquiteto?

abç

8 de maio de 2007 às 19:34  
Blogger 8o JN 1/2007 disse...

Gostei muito do tom ´intimista´, em primeira pessoa, de sua crítica.
Geane

9 de maio de 2007 às 12:57  
Blogger 8o JN 1/2007 disse...

Gostei muito do tom ´intimista´, em primeira pessoa, de sua crítica.
Geane

9 de maio de 2007 às 12:57  
Blogger Duda disse...

dr. carter, gostei muito do texto. concordo com a geane. o primeiro parágrafo é muito bom e até mesmo engraçado!

10 de maio de 2007 às 05:41  
Blogger 8o JN 1/2007 disse...

O primeiro parágrafo é muito bom. Ousadia escrever em primeira pessoa, mas um tanto confuso. Copiando Igor: você falou bem ou mal do filme?

10 de maio de 2007 às 06:16  

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