Cartola sem Cartola

por: Andréa Lopes de Andrade

Quem aguarda uma cinebiografia convencional pode se decepcionar. Cartola: Música para os Olhos é uma salada de informações com pouco Cartola . Uma chuva de imagens, arquivos, fotos, depoimentos, submergem o compositor em seu próprio longa.

Fugindo às convenções dos documentários que estamos acostumados a ver, “quadrados” na colagem de depoimentos, Lírio Ferreira e Hilton Lacerda, respectivamente diretor e roteirista de Cartola-Música para os Olhos, acabam por deixar perdidos os espectadores desatentos. Isso porque há um corte excessivo nas falas, colando um depoimento no outro, o que faz com que o espectador perca a referência de quem é o sujeito que fala. Por outro lado, o objetivo do documentário era realmente romper com as convenções. “Tínhamos também o desafio formal de elaborar um filme fragmentado que não fosse hermético e que tivesse uma cronologia. Não queríamos um filme careta, mas um que fizesse o público refletir”, disse Lacerda em entrevista publicada pela Revista Raiz.

Em busca de reconstituir o Rio de Janeiro do século 20, a história do samba de raiz, das escolas de samba nascidas nos morros, Angenor de Oliveira, o Cartola, sai de foco, tornando-se antagonista do filme. Ele começa a protagonizar sua própria história na segunda parte do longa. Sábia estratégia para mostrar que até os 65 anos de idade, o mestre sambista não fora reconhecido. Compunha as músicas, mas não havia gravado nenhum disco. Por isso a dificuldade de se coletar informações, arquivos antigos em vídeo do Cartola em movimento, deixando nas mãos dos depoentes a responsabilidade de contar a história.

A trajetória de Cartola é contada pelos cineastas de forma inusitada, buscando exemplos da época ou da personalidade do Cartola em cenas de outros filmes, como Rio 40 graus. É um critério arriscado, pois perde as referências da própria obra. Em outros trechos, o uso de muitas vozes e imagens desnorteia quem está assistindo. Os depoentes às vezes se misturam e, depois nem se sabe mais quem está falando.

Mesmo com toda essa mesclagem, o filme contribui para o resgate da memória de um país que abandona muito a sua história. Cartola é um filme dinâmico, de tomadas curtas, com imagens bem feitas, alternando as em preto e branco, com as em cores. Vale ir ao cinema nem que seja para escutar as emocionantes canções deste mestre do samba que deixou saudade.


Assista algumas cenas do filme

Veja algumas fotos da filmagem